
Um dos nossos maiores patrimônios da música brasileira nos deixou e não estávamos preparados para isso. A cantora e compositora Elza Soares, ancestralizou aos 91 anos, saiu da vida para entrar na história de cada um de nós, como não chorar a dor desta partida, de um ícone que com suas composições foi pedra no sapato de um país que teve que engolir suas músicas que faziam referência a realidade do povo preto, pobre e de periferia, da mulher marginalizada, mas acima de tudo suas letras nos ensinaram e ensinam a existir e resistir.
A força de Elza foi forjada por uma história de lutas e resistência, nascida em 1930, no Rio de Janeiro, cria da favela moça bonita, antes de explodir na música vivenciou uma realidade dura, aos 12 anos foi obrigada pelo pai a se casar, aos 13 já estava grávida do primeiro filho, aos 15 perdeu dois filhos para a fome e aos 21 já era viúva, foi a situação de miséria, tragédias opressão que fez com que Elza soltasse a voz, a intérprete começou sua carreira em 1953, na rádio tupi e em pouquíssimo tempo a voz rouca e inconfundível, se tornou uma das maiores artistas do Brasil.
A cantora, que carregava em suas letras um tom provocador e destemido, marcou a trajetória de dezenas de brasileiros com suas composições não só no samba, mas no rap, jazz, hip-hop, funk e diversos outros gêneros, a mulher que veio do planeta fome ficou famosa não somente por sua voz potente, mas também pela postura ativista e militante, abordando temas totalmente necessários em suas letras, falando sobre violência contra a mulher, racismo, fome e a trajetória de sua vida.
Entre 1962 e 1982, Elza viveu seu relacionamento mais famoso com Mané Garrincha, a relação foi conturbada, Elza foi a maior prejudicada durante os 15 anos em que viveu com o seu ‘grande amor’. Durante a ditadura militar, Elza foi perseguida pois, na época, ajudou na eleição que levou João Goulart à vice-presidência. Em 1970 teve sua casa metralhada pelo golpe e foi obrigada a se exilar na Itália com Garrincha.
Na volta ao Brasil, o ex jogador tornou-se alcoólatra e batia em Elza quando chegava bêbado em casa, mas ela viveu o período todo em silêncio. Garrincha morreu em 1983, um ano após ter se separado de Elza.
Sua carreira musical teve início em 1953, aos 23 anos, enquanto trabalhava em uma fábrica de sabão. Começou em um programa da rádio Tupi chamado ‘Calouros em Desfile’. Sete anos depois, em 1959 gravou o seu primeiro sucesso ‘Se acaso você chegasse’.
Com uma estrada extensa e prestigiada, a cantora acumula 34 discos lançados. O último, ‘Planeta Fome’, saiu em 2019. Em ‘A Mulher do Fim do Mundo’, Elza clamou para que a deixassem cantar até o fim.
Por esse trabalho, ela recebeu um Grammy Latino e o álbum foi listado entre os dez melhores de 2016 pelo The New York Times.
“Eu sou mulher do fim do mundo. Eu vou, eu vou, eu vou cantar, me deixem cantar até o fim”, é Elza, tu fostes és a mulher do fim do mundo, tuas letras foram colo para mães solos, transpassaram o menino pobre da periferia e a mulher que sofria violência doméstica. Aos que sofriam a dor da fome, você partilhou desta dor, diante de todas as tragédias que tua vida foi marcada, teu brilho jamais se apagou, um espetáculo no palco e fora deles, te ter em vida foi um privilégio, partilhar da tua existência e do teu talento é unânime. Choramos a tua partida, mas acima de tudo estamos felizes por ver a mulher preta, pobre e periférica vencer na vida, a porta-voz da nossa resistência será para sempre lembrada. Descanse em paz, mulher do fim do mundo.