Cruel e desumano, são essas as únicas palavras que podemos expressar com o fim do programa Bolsa Família. Ontem, 29, o maior auxilio já criado para ajudar as pessoas que vivem em condições desiguais de combate a pobreza, fez seu último pagamento. Criado em 2003, o Bolsa Família atendia a mais de 14 milhões de brasileiros, foi encerrado pela Medida Provisória 1.061, editada pelo governo federal para a criação do Auxílio Brasil. A manobra egóica de Jair Bolsonaro (Sem Partido) é uma tentativa de imprimir uma marca própria na assistência social, na tentativa de apagar o programa criado por Lula nas vésperas das eleições.
O Programa Bolsa Família (PBF) é considerado por especialistas, nacionais e internacionais, extremamente eficiente para enfrentar a pobreza e as desigualdades de renda. Contudo, diante do agravamento da fome e da miséria em decorrência das consequências da pandemia da covid-19 urge ampliá-lo, aumentando o número de beneficiários e elevando os valores dos benefícios, entre outras medidas.
Em vez de caminhar nessa direção, a de fortalecer o que está dando certo, o governo federal resolveu inventar um programa que é uma espécie de colcha de retalhos de transferências de renda, o Auxílio Brasil. Ao desmontar o PBF e pôr no lugar diversas pequenas transferências para distintos públicos, a iniciativa irá resultar na dispersão de recursos e não vai resolver a pobreza, tampouco os demais problemas que pretende solucionar.
Segundo estudo publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com o custo de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto), o Bolsa Família conseguiu em seus 18 anos de história reduzir a pobreza e a pobreza extrema, diminuir a mortalidade infantil, aumentar a participação escolar feminina, reduzir a desigualdade regional do país e melhorar indicadores de insegurança alimentar entre os mais pobres. Enquanto todos esses benefícios eram colhidos, a fertilidade da população de baixa renda diminuiu - mostrando que uma das ideias difundidas inicialmente para atacar o programa, a de seria um incentivo para que famílias buscassem ter mais filhos para receberem mais, não tinha fundamento.
O Bolsa Família foi criado durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tinha como público alvo todas as famílias com renda por pessoa de até R$ 89 por mês, consideradas em situação de extrema pobreza, ou com renda até R$ 178 mensais (em situação de pobreza) com crianças ou adolescentes até 17 anos. Com condicionantes como a permanência das crianças na escola, o acompanhamento de saúde das gestantes e a vacinação em dia, o programa teve como objetivo "quebrar o ciclo geracional da pobreza", isto é, a tendência de os filhos das pessoas pobres acabarem vivendo na mesma pobreza em que seus pais.
O estudo do Ipea, constatou o resultado positivo do programa em tirar famílias da situação de pobreza e pobreza extrema. Segundo a pesquisa, em 2017, mais de 3,4 milhões de pessoas haviam deixado a pobreza extrema por causa do Bolsa Família, e 3,
2 milhões passaram acima da linha de pobreza graças ao programa. Ainda assim, alertavam os pesquisadores, 64% dos beneficiários continuavam em situação de extrema pobreza, um resultado do baixo valor do benefício - que em 2017, era de em média R$ 180 e, atualmente, passados quatro anos e muita inflação, estava ainda em R$ 190.
Um estudo publicado em setembro deste ano na revista científica PLOS Medicine, liderado pelas pesquisadoras Dandara Ramos e Nívea Bispo da Silva, analisou uma amostra de mais de 6 milhões de crianças com idades abaixo de 5 anos, entre 2006 e 2015. Comparando famílias beneficiárias do Bolsa Família com outras fora do programa, as pesquisadoras constataram que o programa de transferência de renda reduziu em 16% a mortalidade de crianças de 1 a 4 anos. O efeito foi a ainda mais significativos em famílias com mães negras e nos municípios mais pobres, onde a redução chegou a 26% e 28%, respectivamente.
O Bolsa Família foi responsável por 14,8% da redução da desigualdade regional no Brasil entre 1995 e 2006, constatou um outro estudo produzido pelo Ipea, publicado em 2013. O papel do programa na redução da desigualdade foi maior do que o do BPC (Benefício de Prestação Continuada, salário mínimo pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda), que contribuiu para a redução das diferenças regionais de renda em 8,9%.
Pouco se sabe sobre o Auxilio Brasil, a proposta enviada pelo Executivo ao Congresso Nacional não deixa claro quantas famílias serão atendidas, quais valores serão pagos ou como o programa será financiado e nem como as condicionalidades serão verificadas, entre outras questões. Contudo, as informações disponíveis possibilitam afirmar que se trata de programa que dispersa recursos e não resolve os problemas que pretende sanar. A única coisa que podemos afirmar é que O Auxilio Brasil é contraproducente. Um capricho de governantes incompetentes preocupados com as eleições.
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