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Povo Tembé teme assassinato de lideranças em Tomé-Açu

Indígenas, quilombolas e ribeirinhos denunciam clima de terror promovido pela empresa BBF em Tomé Açu no Pará.


Foto reprodução

“Estamos coagidos, não podemos sair das aldeias com medo das ameaças que sofremos”, relatou uma liderança indígena que por temer sua segurança. Não vou revelar sua identidade. O clima ficou muito tenso após a tentativa de ocupação de uma das bases da Brasil Bio Fuels (BBF), na última quinta-feira, 21, na região de Acará, nordeste paraense. Os cerca de 50 manifestantes – a maioria da etnia Tembé-Tenetehara, acompanhados de quilombolas e ribeirinhos – foram recebidos à bala por parte de seguranças da empresa. Em meio ao tumulto, ônibus e carros foram incendiados e parte das instalações acabou depredada. Os indígenas desmentem a versão da BBF, segundo a qual eles estariam armados e encapuzados.

“A empresa nos intimida todos os dias. Até drones usam para invadir e monitorar nosso território. Quem faz a violência e contrata pistoleiros é a BBF’’, protestou o líder Tembé. Para os indígenas e quilombolas, haveria um conluio entre a empresa e as forças policiais que atuam na região. “A BBF montou praticamente um escritório dentro da delegacia de Quatro Bocas, em Tomé Açu. Tememos por nossas vidas”. Relatos de pescadores também apontam que a empresa contratou “pistoleiros para intimidar o povo”.


Maíra Tembé, 19 anos, relatou nas redes sociais a violência que sofreu por policiais militares no dia do conflito. “Fomos abordados por policiais do Tático quando íamos participar do protesto junto com nossos parentes. Eu fui agredida por uma policial, que puxou meu cabelo e bateu nas minhas costas. Foram muito agressivos, com armas nas mãos”. A jovem que mora na Terra Indígena Turé Mariquita, área de apenas 147 hectares entre Tomé Açu e Acarpa, apontou que partiu de um segurança da BBF em conversa com os PMs a ameaça de queimar os indígenas vivos. “Nunca fomos tão humilhados”, desabafou.



Vídeo: relato de Maíra Tembé relatando violência que sofreu em abordagem policial no dia do conflito.



Uma outra liderança indígena, mãe de um adolescente de 14 anos, relatou que seu filho foi hostilizado e humilhado dentro de um supermercado em Tomé-Açu. “Foi comprar umas coisas para casa e lá identificaram que é indígena e começaram a xingar, quase agrediram ele”. O Município de Tomé Açu fica a uma hora do território indígena. “ A BBF está colocando a população contra nós e contra nossa própria vida”.



Depoimento dos indígenas na delegacia sobre a abordagem violenta dos seguranças da BBF. Imagens: Povo Tembé.


O clima de tensão, medo e terror toma conta das aldeias, quilombos e beira dos rios, mas a “cabeça a prêmio” é da liderança indígena Paratê Tembé. Ele é o principal acusado pela empresa BBF de liderar a resistência contra os crimes ambientais da empresa. Paratê nega ter liderado a ocupação na sede da BBF, mas diz apoiar a luta de seu povo. “Com essa empresa não conseguimos ter diálogo, e tudo o que ela faz é nos atacar”, afirmou. O Povo Tembé teme pela vida de Paratê , que já recebeu muitas ameaças de morte.


Cercados por todos os lados


​Não é de agora o confronto entre as populações tradicionais do Vale do Acará e as grandes empresas produtoras de palma de óleo, que em poucos anos dominaram o cenário econômico da região. A Brasil Bio Fuels, por exemplo, comprou a Biopalma, pertencente à Vale do Rio Doce, em 2020, com 56 mil hectares de palma, fabricando mais de 200 mil toneladas de óleo por ano. O discurso da empresa, que é a maior produtora desse tipo de combustível da América Latina, aposta na promessa de sustentabilidade, energia renovável e respeito às pessoas e ao meio ambiente. Uma breve visita à região e um simples contato com as populações locais são suficientes para colocar abaixo essa “capa de empresa sustentável”, revelando a face cruel e desumana de uma empresa que não tem compromisso com a vida e com os povos que são os primeiros donos desse território.

Na prática, a BBF herdou da Biopalma e aprofundou em muito o enorme conflito socioambiental na região, posto que há anos os indígenas quilombolas, pescadores e populações tradicionais denunciam a sistemática poluição do solo e das fontes de água, além da permanente invasão dos territórios das populações tradicionais. O uso intensivo de pesticidas envenena rios e igarapés; as enormes plantações de dendê vão constituindo um verdadeiro deserto verde que desequilibra o ecossistema existente, causando doenças e afugentando a pesca e a caça. Nem a zona de amortecimento da Terra Indígena foi respeitada. O dendê está a poucos metros das casas das aldeias. Uma tragédia anunciada e consumada.

Na época da Biopalma, com todas as deficiências, a empresa manteve um tumultuado processo de compensação às comunidades afetadas, por meio do financiamento de projetos e serviços a serem executados anualmente e de forma precária. Com a chegada da BBF, tudo foi interrompido e a empresa partiu para criminalizar as reivindicações dos indígenas.

Tratados como “caso de polícia”, os protestos passaram a ser enfrentados com mão de ferro. Resultado: a tensão só fez crescer e a escalada de violência a cada dia sobe um degrau alarmante.

É esse modelo de “desenvolvimento” que tem na tal sustentabilidade a senha para expropriar, violentar e aniquilar pessoas humanas que trazem nas veias a dor de séculos de opressão? A Amazônia está mesmo condenada a permanecer refém de projetos econômicos de inspiração colonial, que aqui chegam para extrair o lucro máximo e deixar como herança a degradação social e ambiental?

Se depender da disposição de luta e da coragem dos Tembé-Tenetehara podemos e devemos trilhar outro caminho.

A pergunta que fica é se as instituições do Estado brasileiro irão aguardar o derramamento de sangue indígena para efetivamente mobilizar uma força tarefa capaz de prevenir e evitar o morticínio. Ainda há tempo para impedir mais este massacre.

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