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Sem participação cidadã não há democracia 


Democracia significa respeito aos direitos fundamentais, à vida, à terra, à cultura, ao direito de preservar nosso modo próprio de pensar e reproduzir a forma de existência que herdamos das muitas gerações que vieram antes de nós. Por isso, é sempre importante lembrar que há exatos 521 anos os povos originários deste país jamais conheceram a verdadeira democracia. Desde aquele primeiro choque, no litoral da Bahia, nosso país foi construído às custas do sangue e da liberdade das nações indígenas; depois, a opressão alcançou os milhões que atravessaram o Atlântico na condição de escravizados e a todos os pobres, independente da cor da pele, que sobrevivendo de seu próprio trabalho alimentam a concentração do luxo e da riqueza nas mãos de uma minoria encastelada no poder de Estado.


A Participação cidadã é a essência da democracia, chamada de participativa, também exercida direta e soberanamente pelo povo. É isso que está inscrito na Carta Constitucional de 1988, tão maltratada e violada nestes 33 anos de existência. Essas violações e mutilações são ainda mais graves quando se trata de ameaçar os direitos dos povos que o Estado brasileiro tem o dever de proteger : indígenas, quilombolas, ribeirinhos, povos da floresta, mas também das cidades, nas grandes periferias amazônicas e das diversas cidades brasileiras.

No Brasil Colônia passando pelo Império e depois na República, vivemos sempre a negação de direitos, a começar pelo sagrado direto à terra, o bem coletivo fundamental. A democracia nunca penetrou nas aldeias, assim como não se sabe de democracia da porta para dentro das fazendas, fábricas, comércios e empresas. Mas tudo isso se agravou após o golpe de 2016 e tudo veio depois dele, com Temer e Bolsonaro. A frágil, limitada e desigual democracia nunca esteve tão ameaçada e ultrajada. Afinal, desde 1° de janeiro de 2019, o Brasil é governado por quem conspira todos os dias e o dia todo contra a democracia, com foco na destruição do sistema de garantias constitucionais que protegem nós, povos originários.

Somos 305 povos falando 274 línguas diferentes, com mais de 1 milhão de indígenas em aldeias e bem mais nas cidades. Alguém com essa diversidade de enorme riqueza que está na mira de um governo verdadeiramente genocida.

Na Amazônia brasileira somos 752 mil indígenas de 190 povos. Nossos territórios e demais áreas de preservação são verdadeiros escudos contra o avanço das forças da devastação. É por isso que a ganância da mineração predatória, da extração ilegal de madeira, da pecuária e do agronegócio sem preocupação socioambiental miram as terras indígenas e pretendem nestes tempos de enormes retrocessos desfecharem o golpe de misericórdia contra os direitos indígenas.

É o caso do PL 490/2007, ora em discussão na Câmara dos Deputados, pode ser aprovado representar a abertura das terras indígenas para a exploração predatória. Junto com essa proposta tramita muitas outras incentivadas pela bancada do boi, da bala e pela que instrumentaliza a Bíblia para favorecer a elite de sempre. Neste momento, realiza-se em Brasília, o *Levante pela Terra*, mobilização da resistência indígena. São milhares de parentes que se deslocaram para lá enfrentando todos os perigos. Nossos irmãos e irmãs Munduruku, por exemplo, que para realizar a viagem precisaram de escolta policial federal após mais um ataque dos garimpeiros criminosos. Até quando tanta violência ?


Na raiz de todas essas desgraças que nos perseguem por séculos está o divórcio do ser humano com a Natureza. Para dominá-la e explorá-la, vale tudo, até destruir as condições para a vida sobre o nosso planeta. Foi assim desde o princípio quando as caravelas trouxeram a cruz e a espada e as doenças também. É assim agora quando a cobiça do agronegócio e da mineração predatória envenenam nossas matas e nossos rios.

A natureza não é objeto, coisa, mercadoria. Para nós, povos originários, a Natureza é tudo, fonte de toda vida, nossa Mãe Terra. Ela sim é detentora de direitos e precisa ser respeitada. É isso que está em nossos costumes ancestrais. Nenhum progresso justifica o extermínio da vida. Vejam o que está acontecendo aqui na Amazônia. Nos últimos 25 anos, cerca de 18% da floresta nativa foram devastados. Isso é muito próximo dos 20%, ponto apontado pelos especialistas como de não-retorno, ou seja, quando os danos à sociobiodiversidade amazônica são irreversíveis. O que estamos esperando para levantar a população , especialmente a juventude , contra essa tragédia anunciada ? Não haverá democracia sem justiça ambiental . Não haverá participação cidadã com os povos originários amordaçados e violentados, como está acontecendo nas terras Munduruku, Yanomâmi e Tembe-Tenetehara.

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